Pular para o conteúdo principal

SÉRIE DOCUMENTOS HISTÓRICOS - NOMEAÇÃO DO VIGÁRIO MELO FRANCO - 1805

Por José Aluísio Botelho

Pouco se sabe sobre a preparação para Aplicação Sacerdotal do padre Joaquim de Melo Franco, o vigário Melo, que comandou os desígnios da igreja católica de Paracatu durante 36 anos. Filho de família abastada, não foi à Coimbra estudar, como seu irmão mais velho, Dr. Francisco de Melo Franco. Segundo Afonso Arinos, “fez estudos preliminares no arraial de Paracatu, sendo seus professores o latinista padre Francisco Moreira Rebordões e o solicitador de causas de São Romão José Guedes da Silva Porto”, que na idade madura também se tornaria padre, digo eu. Segue Afonso Arinos: “Joaquim de Melo Franco não fez regularmente os estudos eclesiásticos”. Tanto no seminário de Olinda, quanto no de Mariana, não se encontrou nenhuma referência a seu nome; o mesmo ocorreu na arquidiocese de São Paulo, que ordenava, à época, padres do sertão mineiro, acrescento; porém hoje se sabe que as investigações de genere e moribus, na maioria das vezes eram realizadas pelo Juiz de Genere dos arraiais e vilas de maior porte, via de regra o vigário-geral, referendadas pelo bispo responsável pela jurisdição eclesiástica a que elas estavam subordinadas. Encontramos em 1805 em documento manuscrito referente a coletoria de impostos e taxas da junta da fazenda real da vila de Paracatu do Príncipe, datado de 24 de setembro, o recolhimento das custas (selo) do processo de habilitação de genere, de patrimônio e da justificação e carta de nomeação no valor de 14$400 réis, do referido padre Melo Franco, o que reforça a tese que ele fez sua ordenação na vila. Aliás, como subsídio à hipótese acima, encontramos várias provisões em favor de padres ordenados nos tempos de Arraial.
Com o surgimento de novos documentos dispersos nos arquivos portugueses e brasileiros, gradativamente, torna-se possível avançar nas pesquisas a respeito de personagens importantes nas suas aldeias no período colonial e no império. Localizamos um documento manuscrito, disponibilizado no Projeto Resgate da Biblioteca Nacional, que esclarece mais um pouco a história da ordenação do vigário Melo no contexto de sua nomeação para a matriz de Santo Antônio da Manga de Paracatu, objeto do manuscrito.
No documento, datado de 1804, ele faz um requerimento ao rei de Portugal Dom João VI, solicitando a mercê de ser nomeado padre da matriz de Santo Antônio de Paracatu.
Pois bem, com a criação da freguesia da Boa Vista em Recife, Pernambuco, a cuja jurisdição estava subordinada a igreja de Paracatu, o padre Gabriel Bezerra Bittencourt, natural dali, e que era pároco da matriz de Santo Antônio em Paracatu, solicitou sua transferência para a recém-criada freguesia da Boa Vista em Recife, abrindo vaga para mais um padre na dita matriz de Santo Antônio. O padre Mello Franco solicita então sua nomeação ao bispo de Pernambuco, Dom José (José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho): “Diz Joaquim de Mello Franco natural, e morador na villa de S. Antonio de Paracatú do Bispado de Pernambuco, que para certos requerimentos, que tem que fazer perante SA.R necessita que V. Ex.ª. lhe ateste o que souber do procedimento, e costumes do suplicante, e juntamente se elle trata de sua ordenação, athé finalmente a ordem de Presbytero, para cujo fim já V. Ex.ª foi servido mandar passar as ordens necessárias e dimissórias.”
As informações de Dom José passadas ao Rei de Portugal lhe são favoráveis: “Pelas boas informações, que tive do suplicante, e por me constar por documentos autênticos da sua vocação para o Estado Eclesiástico, da sua natural aplicação aos estudos, e da necessidade de sacerdotes no interior daqueles sertões, mandei passar dimissórias para o suplicante se ordenar thé Presbytero. Lxa. 23 de agosto de 1804. Dom José Bispo de Pernambuco Eleito de Bragança e Miranda.”
Nota1: Na realidade, em Paracatu, desde os tempos de arraial, sempre houve excesso de padres na freguesia. Olímpio Gonzaga listou a presença de 40 padres em certa ocasião servindo na localidade.
Neste contexto, entra seu irmão e procurador Dr. Francisco de Mello Franco, médico do Paço em Lisboa, que tinha livre trânsito no governo português, já que era médico da nobreza encastelada no poder, bem como da própria família real, um caso típico da influência política nas nomeações (o notório quem indica, o pistolão), mesmo eclesiásticas, para uma povoação no longínquo sertão mineiro. Diz ele ao rei: “Diz Joaquim de Mello Franco por seu procurador e irmão Dr. Francisco de Mello Franco, médico da Câmara de V.A.R, que o Pe. Gabriel Bezerra Bittencourt appresentado Vigário na Igreja de Santo Antônio de Paracatu, requer agora à V.A.R a igreja do Bairro da Boa Vista da Freguesia da Sé de Olinda, e cede, caso nella seja provido, do direito adquirido na dita igreja de Paracatu, e como em tal caso vêm ella a ficar vaga, supplica a V.A.R a Queira provêr nelle o suplicante em quem (segundo pensa) recahe bem esta Graça não só pela idoneidade que mostra pella attestação de seu Bispo, mas também por estar servindo de amparo a sua Mai Viuva, e a 8 irmãas, por tanto. Francisco de Mello Franco.”
A provisão: P. a V.A.R que pela sua Paternal Bondade Haja por bem provêr o supplicante na Igreja de Santo Antonio de Paracatu no caso de ser provido na que requer do dito Vigario appresentado”.
Afonso Arinos de Melo Franco localizou no arquivo da cúria de Mariana, outro documento em que o Bispo Dom José o julgou apto e pede a promoção, se ele desejar celebrar ordens gerais e particulares, nosso dileto filho em Cristo, Joaquim de Mello Franco, filho legítimo de João de Mello Franco e de Ana de Oliveira Caldeira, à primeira tonsura clerical aos quatro graus das ordens menores, e às ordens sacras do subdiaconato, diaconato e presbiterato, dispensados os prazos intersticiais e extratêmpora, datado de 24 de setembro de 1805, mesma data em que foi pago o selo na junta da fazenda, ou seja, hum ano após o pedido de nomeação ao rei de Portugal.
Pelo que depreende do documento em questão, em tese, o padre Mello Franco ordenou-se sem frequentar seminário para realizar seus estudos regulares de preparação para a vida eclesiástica, apresentando tão somente conhecimentos rudimentares de teologia, sendo submetido unicamente as habilitações de genere et moribus na vila de Paracatu do Príncipe. Tem razão o mestre Arinos, ao conjecturar ter sido ele “padre de rede”, como se dizia antigamente em Olinda, acerca dos padres ordenados rapidamente, sem preparação teológica adequada. Oficialmente, ele foi ordenado por Dom frei Cipriano de São José em 06 de fevereiro de 1806, conforme consta no livro de autoria do conego Raymundo Trindade, ARQUIDIOCESE DE MARIANA - Subsídios para sua história, 2ª edição, 1ºvolume, página 177 (colaboração do pesquisador Jacy Rosa, a quem agradecemos).
Depois de sua nomeação, o padre Mello Franco tomou as rédeas do poder igreja católica em Paracatu, como já referimos acima, chefiando-a até sua morte em 19/12/1843.

Nota2 – tentamos, na medida do possível, manter a grafia original do documento.
V.A.R – Vossa Alteza Real.

Fonte:

1 Projeto Resgate – Biblioteca Nacional Digital.
Para ler o documento na íntegra CLIQUE AQUI
2 Franco Mello, Afonso Arinos, Um Estadista na República, volume I páginas 42 e 43.

Comentários

Postagens mais visitadas

DONA BEJA E AS DUAS MORTES DE MANOEL FERNANDES DE SAMPAIO

Por José Aluísio Botelho A história que contaremos é baseada em fatos, extraídos de um documento oficial relativo a um processo criminal que trata de um assassinato ocorrido na vila de Araxá em 1836. O crime repercutiu no parlamento do império no Rio de Janeiro, provocando debates acalorados entre os opositores do deputado e ex-ministro da justiça, cunhado do acusado, como se verá adiante. Muitos podem perguntar porque um blog especializado em genealogia paracatuense, está a publicar uma crônica fora do contexto? A publicação deste texto no blog se dá por dois motivos relevantes: primeiro, pela importância do documento, ora localizado, para a história de Araxá como contraponto a uma colossal obra de ficção sobre a personagem e o mito Dona Beja, que ultrapassou suas fronteiras se tornando de conhecimento nacional. Em segundo lugar, porque um dos protagonistas de toda a trama na vida real era natural de Paracatu, e, portanto, de interesse para a genealogia paracatuense, membr

FAZENDAS ANTIGAS, SEUS DONOS E HERDEIROS EM PARACATU - 1854 E 1857.

Por José Aluísio Botelho                A LEI DE TERRAS DE 1850 Desde a independência do Brasil, tanto o governo imperial, como os governos republicanos apresentaram inúmeros projetos legislativos na tentativa de resolver a questão fundiária no Brasil, bem como regularizar as ocupações de terras no Brasil. A lei da terra de 1850 foi importante porque a terra deixou de ser um privilégio e passou a ser encarada como uma mercadoria capaz de gerar lucros. O objetivo principal era corrigir os erros do período colonial nas concessões de sesmarias. Além da regularização territorial, o governo estava preocupado em promover de forma satisfatória as imigrações, de maneira a substituir gradativamente a mão de obra escrava. A lei de 1850, regulamentada em 1854, exigia que todos os proprietários providenciassem os registros de suas terras, nas paróquias municipais. Essa lei, porém, fracassou como as anteriores, porque poucas sesmarias ou posses foram legitimadas, e as terras continuaram a se

LIVRO DE GENEALOGIA PARACATUENSE

Apresentamos aos nossos leitores, em formato impresso e também no e-book, livro que conta de maneira resumida a história de Paracatu, bem como a genealogia da família Botelho e suas alianças com as principais troncos familiares que lá fincaram raízes, bem como as trajetórias de ascensão social, política e econômica desses grupos familiares hegemônicos. Clique na imagem abaixo para adquirir o livro na Amazon.com Clique aqui para visualizar uma prévia do livro.

SÉRIE - PIONEIROS DO ARRAIAL DO OURO 8: OS BATISTA FRANCO

José Aluísio Botelho                  Eduardo Rocha  Mauro César da Silva Neiva Família originada no norte de Minas Gerais. Um pouco de história: em 1729, o governador da Bahia foi comunicado

FAMÍLIA GONZAGA

Por José Aluísio Botelho FAMÍLIA GONZAGA – TRONCO DE PARACATU Essa família iniciou-se em 1790, pelo casamento do Capitão Luiz José Gonzaga de Azevedo Portugal e Castro, fiscal da fundição do ouro em Sabará – MG, em 1798, no Rio de Janeiro, com Anna Joaquina Rodrigues da Silva, natural do mesmo Rio de Janeiro, e tiveram oito filhos, listados abaixo: F1 – Euzébio de Azevedo Gonzaga de Portugal e Castro; F2 – Platão de Azevedo Gonzaga de P. e Castro; F3 – Virgínia Gonzaga; F4 – Florêncio José Gonzaga; F5 – VALERIANO JOSÉ GONZAGA; F6 – Luiz Cândido Gonzaga; F7 – José Caetano Gonzaga; F8 – Rita Augusta Gonzaga. F5 - Valeriano José Gonzaga, natural de Curvelo,Mg, nascido em 21.07.1816 e falecido em 1868 em Paracatu, casou em 21.07.1836, com Felisberta da Cunha Dias, nascida em 15.08.1821 e falecida em 10.08.1910, natural de Curvelo; foi nomeado Tabelião de Paracatu, tendo mudado para o lugar em 1845, aonde tiveram os filhos: N1 - Eusébio Michael Gonzaga, natural de

SUBSÍDIOS GENEALÓGICOS: OS COSTA PINTO - UM TRONCO

Por José Aluísio Botelho Colaborou Eduardo Rocha Família pioneira no arraial do ouro, formadora da elite local e que floresceu durante o decorrer do século XIX. Iniciou-se com as uniões de João da Costa Pinto e D ona Domingas Rodrigues da Conceição, e do coronel Antonio José Pereira** e dona Maria Tereza de Castro Guimarães. Desses casais, nasceram dentre outros, Antonio da Costa Pinto e dona Francisca Maria Pereira de Castro, que se casaram no milésimo do século XVIII. *Nota: o coronel Antonio José Pereira foi administrador dos Dízimos entre 1789 e 1807; faleceu em 1812. O coronel Antonio da Costa Pinto nasceu em Paracatu por volta de 1775 e aí faleceu a 06 de agosto de 1827. Na política local foi aliado dos Pimentéis Barbosa, tendo sido ouvidor interino da vila de Paracatu do Príncipe em 1820, época de grandes turbulências na política local, bem assim em todo o Brasil, precedendo a independência. Deixou grande fortuna: Olímpio Gonzaga, que parece ter tido acesso ao inventári